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terça-feira, 15 de outubro de 2013

Para


Necessitamos focar
Foco para atentarmos
Atenção para criarmos
Criação para poetizarmos

Queremos entender
Entendimento para conhecermos
Conhecimento para crescermos
Crescimento para evoluirmos

Precisamos produzir
Produção para criarmos
Criação para concluirmos
Conclusão para focarmos

Natalie Torres Guariglia

Vida Nova



Olá, meu nome é Jequitibá, mas pode me chamar de Tibá. Tenho 102 anos e estou no começo da minha vida adolescente. Ou pelo menos estaria, mas isso eu explico depois! Eu nasci na cidade de São Paulo, lá no centro, só que depois de um tempo tiveram que me tirar de lá e me levaram para um bosque muito bonito, cheio de outras árvores!
Aaah! Que burro! Esqueci de avisar! Sou uma árvore, uma árvore que tem uma história para contar. Bom, como, agora, eu tenho toooodo tempo do mundo... Vou contar, sem pressa, minha vida para você.
Meu pai, o Gravatá, me falou que fui plantado com as mesmas sementes da minha mãe, isso quer dizer que ela tinha o mesmo nome que eu. Ele também me disse que ela era linda, alta, tinha uma copa verde cheia de vida e adorava a brisa da primavera, assim como todos nós! Eu nem cheguei a conhecer a Jê, jeitinho que a minha mãe gostava de ser chamada. Quando coloquei meu primeiro caule para fora da terra, ela já não estava mais lá. Enfim, eu ainda era criança quando levaram meu pai e eu para o bosque mais simpático da cidade, o Bosque Vida Nova. Tivemos que ir embora porque, bem onde nós estávamos antes, iria passar uma avenida, e os humanos precisavam pavimentar o chão.
Foi lá, no Vida Nova, que cresci e conheci meus melhores amigos, as irmãs Violeta-da-Montanha, o Sangue-de-Dragão e também o famoso Pau-brasil! Imagine só, eu era vizinho do Pau-brasil! Aaah que tempos ótimos foram aqueles! Todos nós vivíamos em harmonia uns com os outros e com os bichinhos que passavam por ali também. Havia uma senhorinha, a Bromélia, que era hospedeira do Pau-brasil, ela vivia cheia de abelhinhas e beija-flores, era revigorante ver como ela se divertia mesmo depois de tanto anos de vida. Até quando alguns cachorros passavam e faziam xixi em nossos pés, achávamos engraçado, sentíamos cócegas!
Era muito legal nossa vida e nossa amizade, mas foi num dia cinzento e frio que tudo mudou. Em meados do século XX, quando a linda São Paulo começou a virar cidade grande de verdade, muitos bosques e parques começaram a ser derrubados, não só para serem transformados em ruas, mas para se tornarem objetos materiais para os humanos. Isso era horrível! Os boatos corriam pelos corredores florais do Vida Nova e todos estavam com medo de que um dia isso acontecesse conosco. Menos eu! Eu tinha esperança de que os humanos percebessem esse erro! Não se deve matar nada nem ninguém só para benefício próprio, a Natureza é mãe de todos nós, inclusive de você, leitor humano e por isso não deve ser morta! E falando em mãe, eu já tinha perdido a minha, não podia perder mais ninguém, não ia aguentar a dor!
Não demorou muito e essa dor veio de novo! Tive que segurar calado. Vi o Sangue-de-Dragão, meu melhor amigo, ser cortado sem dó! Ele chorou muito, vi sua seiva vermelha escorrer e escorrer. Foi triste demais, queria abraçá-lo, mas os homens o jogaram num caminhão de lixo. DE LIXO! Oh, meu Deus! Como pode? Jogaram toda uma vida no lixo! Lixo tem que ser jogado no lixo e não uma árvore!! Isso não podia estar acontecendo ali... Nesse momento, perdi todas as forças e esperanças na humanidade.
Semanas depois, continuaram a arrancar todas as árvores que estavam à vista. Um dia, chegou a vez do meu pai e Dona Bromélia. Não consegui olhar aquela atrocidade que faziam com meus amigos e família. Apenas fechei os olhos e deixei o destino tomar conta da situação. Ao abri-los, percebi que só restava eu, o alegre, alto e magrelo Tibá que naquele dia era só alto e magrelo.
Uma semana se passou, eu acho, não estava conseguindo contar mais de tanta tristeza e amargura que estava sentindo, eu estava doente. Enfim, uns dias se passaram e um dos homens que trabalhavam retirando as árvores do bosque levou sua filha até lá. Uma menina de uns 8 anos, branquinha como as nuvens em dias de primavera, olhos verdes como foram minhas folhas e uma vivacidade que eu tinha, mas que estava guardada num coração impenetrável e cheio de dor. Quando me viu, a única árvore naquele terreno enorme, correu e me abraçou de um jeito!! Parecia que a menina sabia da minha situação e queria de alguma forma me ajudar. O que impenetrável se rompeu de emoção.
Ela chamou seu pai e passou muito tempo convencendo-o a não levar esta árvore que vos fala. Ele, coitado, não podia fazer nada, só obedecia a ordens. Mas a pequena não desistiu, se sentou à minha sombra, pegou lápis e papel, escreveu uma cartinha para o chefe do seu pai pedindo que não me derrubassem. Escreveu que eu não tinha culpa de estar ali e mais um monte de coisas bonitas sobre o bosque de antes e o de agora.
Hoje, tenho só a agradecer a essa menininha da carta! Fiquei no Bosque Vida Nova e lá foram plantadas mais de duas mil arvorezinhas novas. Faz mais ou menos um ano que os humanos estão me ajudando na recuperação da minha dor, mas não são só eles que ajudam; as novas mudinhas também! É ótimo ter contato com gente nova, que está louca para crescer e aparecer! E quanto à humanidade, eu gosto deles, aliás, de vocês... Só espero que aprendam de uma vez por todas que nós, natureza, não somos seus inimigos, mas amigos e que contribuímos para a vida de vocês, assim como vocês contribuem para a nossa, ou pelo menos tentam!

Obrigado por compartilharem da minha história. Obrigado por existirem, humanos bons.
Jequitibá
Maria do povo