Olá,
meu nome é Jequitibá, mas pode me chamar de Tibá. Tenho 102 anos e estou no
começo da minha vida adolescente. Ou pelo menos estaria, mas isso eu explico
depois! Eu nasci na cidade de São Paulo, lá no centro, só que depois de um
tempo tiveram que me tirar de lá e me levaram para um bosque muito bonito,
cheio de outras árvores!
Aaah!
Que burro! Esqueci de avisar! Sou uma árvore, uma árvore que tem uma história
para contar. Bom, como, agora, eu tenho toooodo tempo do mundo... Vou contar,
sem pressa, minha vida para você.
Meu
pai, o Gravatá, me falou que fui plantado com as mesmas sementes da minha mãe,
isso quer dizer que ela tinha o mesmo nome que eu. Ele também me disse que ela
era linda, alta, tinha uma copa verde cheia de vida e adorava a brisa da primavera,
assim como todos nós! Eu nem cheguei a conhecer a Jê, jeitinho que a minha mãe
gostava de ser chamada. Quando coloquei meu primeiro caule para fora da terra,
ela já não estava mais lá. Enfim, eu ainda era criança quando levaram meu pai e
eu para o bosque mais simpático da cidade, o Bosque Vida Nova. Tivemos que ir embora
porque, bem onde nós estávamos antes, iria passar uma avenida, e os humanos precisavam
pavimentar o chão.
Foi
lá, no Vida Nova, que cresci e conheci meus melhores amigos, as irmãs
Violeta-da-Montanha, o Sangue-de-Dragão e também o famoso Pau-brasil! Imagine
só, eu era vizinho do Pau-brasil! Aaah que tempos ótimos foram aqueles! Todos
nós vivíamos em harmonia uns com os outros e com os bichinhos que passavam por
ali também. Havia uma senhorinha, a Bromélia, que era hospedeira do Pau-brasil,
ela vivia cheia de abelhinhas e beija-flores, era revigorante ver como ela se
divertia mesmo depois de tanto anos de vida. Até quando alguns cachorros
passavam e faziam xixi em nossos pés, achávamos engraçado, sentíamos cócegas!
Era
muito legal nossa vida e nossa amizade, mas foi num dia cinzento e frio que
tudo mudou. Em meados do século XX, quando a linda São Paulo começou a virar
cidade grande de verdade, muitos bosques e parques começaram a ser derrubados,
não só para serem transformados em ruas, mas para se tornarem objetos materiais
para os humanos. Isso era horrível! Os boatos corriam pelos corredores florais
do Vida Nova e todos estavam com medo de que um dia isso acontecesse conosco.
Menos eu! Eu tinha esperança de que os humanos percebessem esse erro! Não se
deve matar nada nem ninguém só para benefício próprio, a Natureza é mãe de
todos nós, inclusive de você, leitor humano e por isso não deve ser morta! E
falando em mãe, eu já tinha perdido a minha, não podia perder mais ninguém, não
ia aguentar a dor!
Não
demorou muito e essa dor veio de novo! Tive que segurar calado. Vi o Sangue-de-Dragão,
meu melhor amigo, ser cortado sem dó! Ele chorou muito, vi sua seiva vermelha escorrer
e escorrer. Foi triste demais, queria abraçá-lo, mas os homens o jogaram num
caminhão de lixo. DE LIXO! Oh, meu Deus! Como pode? Jogaram toda uma vida no
lixo! Lixo tem que ser jogado no lixo e não uma árvore!! Isso não podia estar
acontecendo ali... Nesse momento, perdi todas as forças e esperanças na
humanidade.
Semanas
depois, continuaram a arrancar todas as árvores que estavam à vista. Um dia,
chegou a vez do meu pai e Dona Bromélia. Não consegui olhar aquela atrocidade
que faziam com meus amigos e família. Apenas fechei os olhos e deixei o destino
tomar conta da situação. Ao abri-los, percebi que só restava eu, o alegre, alto
e magrelo Tibá que naquele dia era só alto e magrelo.
Uma
semana se passou, eu acho, não estava conseguindo contar mais de tanta tristeza
e amargura que estava sentindo, eu estava doente. Enfim, uns dias se passaram e
um dos homens que trabalhavam retirando as árvores do bosque levou sua filha
até lá. Uma menina de uns 8 anos, branquinha como as nuvens em dias de primavera,
olhos verdes como foram minhas folhas e uma vivacidade que eu tinha, mas que
estava guardada num coração impenetrável e cheio de dor. Quando me viu, a única
árvore naquele terreno enorme, correu e me abraçou de um jeito!! Parecia que a
menina sabia da minha situação e queria de alguma forma me ajudar. O que
impenetrável se rompeu de emoção.
Ela
chamou seu pai e passou muito tempo convencendo-o a não levar esta árvore que vos
fala. Ele, coitado, não podia fazer nada, só obedecia a ordens. Mas a pequena
não desistiu, se sentou à minha sombra, pegou lápis e papel, escreveu uma
cartinha para o chefe do seu pai pedindo que não me derrubassem. Escreveu que
eu não tinha culpa de estar ali e mais um monte de coisas bonitas sobre o
bosque de antes e o de agora.
Hoje,
tenho só a agradecer a essa menininha da carta! Fiquei no Bosque Vida Nova e lá
foram plantadas mais de duas mil arvorezinhas novas. Faz mais ou menos um ano
que os humanos estão me ajudando na recuperação da minha dor, mas não são só
eles que ajudam; as novas mudinhas também! É ótimo ter contato com gente nova,
que está louca para crescer e aparecer! E quanto à humanidade, eu gosto deles,
aliás, de vocês... Só espero que aprendam de uma vez por todas que nós,
natureza, não somos seus inimigos, mas amigos e que contribuímos para a vida de
vocês, assim como vocês contribuem para a nossa, ou pelo menos tentam!
Obrigado
por compartilharem da minha história. Obrigado por existirem, humanos bons.
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| Jequitibá |
Maria do povo