Capítulo II: A fatalidade
A caminho da escola, Mirian dirigia e refletia sobre como ela aturou tanto tempo as promessas mentirosas de Jorge. Podia ter expulsado seu marido de casa naquela semana em que conversaram na porta do banheiro, mas sabia que se o fizesse, tudo mudaria em sua vida. E ela não estava apenas pensando nela e nos meninos, mas em algo muito muito maior que isso. - Tchau, mãe!! - Gritou Jacob, batendo a porta da picape.
- Tchau, mamãe. - A última palavra de Júlio saiu abafada pela bochecha da mãe que estava recebendo um beijinho de despedia babado de criança.
- Tchau, filhinho. - Respondeu baixinho sem enxugar o rosto e foi embora.
Mirian, apesar de não aparentar, era uma mulher forte, de garra e fibra que gostava de Jazz e Shakespeare. Tinha valores e seguia seu coração em quase tudo. E esse era o grande problema. Mirian ouvia a voz da emoção para fazer suas escolhas e decisões até que na conversa com seu marido naquele dia, ela percebeu que a razão devia falar mais alto. Para o bem de todos.
- Júlio! Júliooo, já te pedi para prestar atenção aqui na lousa.
- Hã? Desculpa, tia. (ainda chamavam as professoras de tia em 98). Me distraí.
- Como sempre né? - Repreendeu a professora.
- Esse menino é muito estranho, não fala com ninguém, não presta atenção na aula... - Cochichou, Élli para sua amiguinha que falou bem alto para todos ouvirem:
- É, eu sei. Parece que está sempre em outro planeta. Ele é um ET!!
- hahahahahaha - Risada geral.
- Ta bom, ta bom!! Já riram bastante. E não, ninguém é ET aqui, Cora. Na próxima, você levará um bilhete!
Júlio era, realmente, um menino um pouco distinto das outras crianças. Gostava das mesmas coisas e brincadeiras, mas quase nunca se misturava. Gostava de se entregar à imaginação e ao pensamento, ficava mais a vontade sozinho. Aliás, sozinho não. Ficava a vontade com seu lápis na mão.
Ele era um pouco alto para seis anos e tinha os mesmos cabelos curtos, lisos e negros de sua mãe na idade dele, era magricela e tinha lindos olhos verdes herdados de sua avó materna. Júlio usava óculos, poucos graus. Na verdade, era só para corrigir uma leve miopia que ganhou com a prática de escrever e pintar por horas sem tirar os olhos do papel.
Mirian passou no supermercado antes de voltar para casa e lá reencontrou um grande amigo do passado. Conversaram por alguns minutos e trocaram telefone e endereço para se comunicarem. Estava colocando as compras no carro, quando sentiu uma pontada no lado esquerdo da cabeça, mesmo assim decidiu que estava bem para dirigir.
Tontura e uma insuportável dor de cabeça atingiam Mirian que lutava para manter os olhos abertos em meio à claridade do meio dia. Pisou fundo e passou por pelo menos três faróis vermelhos. O último foi fatal. No cruzamento, um carro um pouco menor que a picape de Mirian bateu na roda frontal direita do carro dela, fazendo com que a picape parasse de correr. O carro menor, com a batida, capotou e seus passageiros não tiveram chances de socorro. Ao avistar a cena que tinha provocado, Mirian saiu do carro e correu para o telefone público. O resgate chegou, mas já não havia vida naquele veículo. Os paramédicos examinaram Mirian, que se queixava da dor de cabeça. Depois de ser liberada, pegou um táxi para casa.
- Olá, famííília!! - Cumprimentou Jorge.
- A mamãe bateu o carro e foi iradooo!! Saiu no jornal e tudo!! - Pulava todo animado (e inconvenientemente) Jacob.
- COMO?
- É, eu estava com, com... Como foi que o médico disse? - Tentava explicar, a mãe.
- Enxaqueca. Foi essa a palavra que você disse antes, mamãe. - Completou Julinho.
- Médico? Você foi parar no hospital? - Um Jorge assustado se revelava ali.
- Não. Eles foram socorrer as pessoas... As pessoas que eu... Foi tudo minha culpa!! Eu não posso viver com isso. Não posso!! Eu matei uma família inteira. - Mirian chorava, falava, soluçava e se defendia ao mesmo tempo.
- Meninos, agora para os quartos!!
Júlio se levantou da mesa do jantar, pegou sua folha toda escrita e o lápis e saiu.
- Mas, paaai!!! - Pediu, Jake - apelido carinhoso/familiar de Jacob -
- AGORA! - Berrou Jorge.
E ele saiu.
- Não, não fale assim, eles não têm culpa de nada. Eu que sou uma assassina.- Mal conseguia pronunciar tais palavras.
- Calma, calma! Vai dar tudo certo. - Tentou acalentar o sofrimento de Mirian. Levou-a para o quarto e dormiram até mais tarde no dia seguinte.
Natalie Torres Guariglia - 3/8/14 - 21:17
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